quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O silêncio que machuca



Apesar de todas as facilidades tecnológicas, os humanos nunca ficaram tão fechados em seu pequeno e medíocre mundinho pessoal.

Por Evaldo D´Assumpção*

Durante o tempo em que exerci a medicina, fosse na minha prática diária, fosse nos ensinamentos que procurava passar aos meus alunos e residentes, a resposta a qualquer ligação, carta ou e-mail que recebesse, era considerada absolutamente indispensável.  Nunca deixei de dar retorno a um telefonema que não pudera atender, nunca deixei de responder a qualquer correspondência recebida, fosse convencional, fosse pela internet.

Esse meu comportamento sempre esteve ligado, visceralmente, à minha formação ética e familiar. Como uma pessoa poderia me procurar – mesmo que fosse alguém reconhecidamente impertinente ou aborrecida – e eu deixar de acolhê-la? Como eu poderia distinguir um pedido de acolhimento por razões fúteis, de outro por necessidade vital? Como eu poderia me olhar no espelho no final do dia, e sabendo-me um profissional que jurara acolher a quantos de mim necessitassem, por comodismo, preguiça ou até enfado, havia deixado de atendê-los?

McLuhan, filósofo falecido em 1980, criou a expressão “aldeia global” para definir o mundo do futuro, onde os meios de comunicação transformariam o planeta Terra numa enorme aldeia. Em outras palavras, onde todos se comunicariam facilmente, graças às tecnologias que se desenvolviam nessa área.  Contudo, apesar de ter acertado na potencialidade tecnológica, errou completamente no quesito “comunicação”.

Hoje, apesar de termos os mais diferentes e sofisticados telefones com secretárias eletrônicas, celulares, computadores, notebooks, i-pods e outros artefatos, nunca os humanos ficaram tão trancados em seu pequeno e medíocre mundinho pessoal. Nunca as pessoas ficaram tão carentes de comunicação rápida e eficiente, especialmente em situações aflitivas, emergenciais ou até mesmo sociais.

Incomoda-me particularmente, a ausência de resposta para os e-mails que envio.  Sempre que o faço utilizo a solicitação de confirmação de recebimento, que é um recurso automático muito simples e que exige apenas um clique de quem o recebe. Mesmo assim, a maioria das pessoas deixa de acusar o recebimento dos e-mails, o que me deixa sem saber se foram recebidos ou não.  Principalmente levando-se em conta de que não me agrada receber, e consequentemente enviar aquelas numerosas mensagens de piadas ou de autoajuda, que vão sendo retransmitidas indefinida e repetidamente, cheias de fotos maravilhosas e textos poéticos, mas pesadíssimos para o meu pobre computador. A confirmação que peço e espero é para os e-mails que se referem a questões importantes e que necessitam certeza do seu recebimento.

Uma das queixas mais freqüentes na mídia, e que também escuto de pessoas falando do atendimento médico, é a falta de retorno desses profissionais às suas solicitações de informações ou esclarecimentos sobre sua doença ou de parentes seus.  Essas pessoas dizem que ligam para o médico assistente e esse quase sempre está impossibilitado de atendê-las – o que é bastante compreensivo, pois não se deve interromper uma consulta médica, que exige total atenção do profissional, para atender telefonemas. Contudo, no intervalo entre consultas, ou mesmo no final do dia de trabalho, sempre é possível retornar as ligações. Mas isso, quase nunca acontece. As necessidades do cliente distante tornam-se insignificantes diante de outros compromissos, às vezes, esses sim, totalmente desimportantes, porém mais atrativos para os profissionais descomprometidos.

Entretanto, não são somente os médicos – que abriram minhas colocações, porque sou um médico com várias décadas de experiência – que agem dessa forma. Os advogados estão na mesma posição, nesse ranking tão indesejável. Já vivi uma situação onde fui obrigado a abrir um processo ético na OAB, contra certo advogado, simplesmente porque, depois de contratado e pago pelos seus serviços conforme ele determinara, só conseguia falar com a sua secretária,nunca diretamente com ele. A informação que sempre recebia era de que ele estava ocupado e retornaria posteriormente, sem nunca fazê-lo. Perdendo a causa pela sua constante ausência e falta de comunicação, só me restou a opção do processo ético. Essa causa eu ganhei.

Se isso acontece com profissionais de alto nível, sabemos que o mesmo ocorre em todas as profissões, em todas as relações entre pessoas, nesses dias tão difíceis para se viver.  Quase ninguém tem compromisso com a palavra empenhada, e nem documentos rigorosamente registrados são capazes de motivar essas pessoas a cumprir o que prometeram fazer, ou pelo menos motivá-los a explicar o que está realmente acontecendo.

Tenho saudades dos tempos em que a palavra dada era sagrada, o compromisso com os clientes era seriamente respeitado, a hora marcada rigorosamente cumprida e o fio de barba, documento mais que suficiente para que nada fosse descumprido.

Talvez por tudo isso, ou também por isso, observamos tanto estresse, tanta insatisfação, tanta agressividade entre as pessoas. Será que podemos ter esperança de que um dia isso irá mudar e acabará esse silêncio que incomoda tanto?


*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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